Correio dos Açores-02 Março 2010 [Opinião]
Regressei domingo à Fajã do Calhau e para qualquer olhar, do ecologista ao economista, passando por muitos ‘istas’, incluindo o de jornalista que sou, até ao de engenheiro e arquitecto – especialistas na matéria -, é visível o desnorte de quem está a executar a obra de acesso a partir de Água Retorta e a deplorável destruição constante da encosta que ninguém vê ou faz que não vê, incluindo autoridades marítimas e magistrados.
A forma grotesca, ao jeito de montanha russa, como se contornou a grota funda (por onde passam grandes massas de água de Inverno) levou a desvios impensáveis com descidas e subidas de alto risco para quem lá pretenda circular.
Não me admiraria nada que o Comando da Zona Marítima dos Açores esteja a fotografar este crime pretensamente oculto na escarpa mais alta da costa Sul de São Miguel para mostrar ao país que as autoridades regionais açorianas não fazem uma gestão correcta, de acordo com os princípios nacionais, da orla marítima das ilhas. Evidenciando, assim, que os Açores não utilizam a bem da Região e de Portugal, os poderes que têm neste domínio.
Tratando-se de uma questão de interesse público, o Ministério Público devia averiguar se as obras em curso (feitas sem qualquer projecto) lesa ou fere as normas ambientais em vigor.
Perturba a forma destituída de ética, roçando a ludibriação, como doutores e doutorzinhos levam ao seu moinho proprietários das terras, fazendo com que cedam parcelas para bem deles, destinados à construção de uma via que já depenou incautamente alguns. Processos de declaração pública urgente ao estilo exemplar dos madeireiros na selva amazónica.
Fica aqui o apelo para que a comissão parlamentar da Assembleia Legislativa Regional, que acompanha o evoluir da obra, faça agora uma nova visita ao local e se informe das alterações (sem projecto) que duplicaram a ferida na encosta. E ouvisse o que têm a dizer os pequenos proprietários de terras que têm o direito de não cederem terras a título gratuito e não sabem como lhes vão pagar os bens que os usurparam ou vão usurpar.
Temos a voz de proprietários de terras a descreverem a pressão das máquinas sobre os seus terrenos (no estilo se não vai a bem, vai a mal – e depois paga-se a indemnização).
A sede de acabar a via e a apresentar como facto consumado leva a atropelos sobre atropelos ao ambiente e aos bens de pessoas simples que se deixam levar por conversa fiada e, depois, vêem desaparecer toda a terra arrastada pelo trepar das máquinas em direcção ao calhau.
Porque se trata de uma obra executada pelos Serviços Florestais do Nordeste, maus da fita e testas de ferro de uma Associação dos Amigos da Fajã do Calhau (auto-intitulada promotora do empreendimento), que defendem sobretudo os seus interesses na construção de uma via que faz alguns desvios para que passe por detrás das casas dos ‘Amigos’ com acesso directo; deixo aqui também um incentivo aos responsáveis pelo Tribunal de Contas para que façam uma auditoria às contas de uma obra que deveria demorar quatro meses e já está em quatro anos, imagine-se com que gastos de dinheiros públicos pelo meio.
Daqui, deste canto, vai também o estímulo a um economista com tudo no seu lugar para, encontrando-se o valor verdadeiro, ou, na sua ausência, o valor ‘oficial’ desta obra, se determinar qual o seu impacto na qualidade de vida dos micaelenses e dos açorianos (senão mesmo para benefício de alguns...). E, com isso, avaliar-se se não haverá outras prioridades no clima de crise que está a levar milhares de açorianos para o desemprego em vez do dinheiro que se gasta no rápido avanço das máquinas praticamente à socapa.
E quando a via chegar - se chegar - ao fim, logo vão estes defensores das suas causas pessoais procurar que o mais alto responsável pela governação na Região assine um documento comprometendo-se em criar um quebra-mar que salvaguarde a orla marítima da Fajã que está a ceder notoriamente face ao ímpeto do mar. E isso quando se gastaria muito menos do erário público construindo um quebra-mar ao longo do acesso a partir do Faial da Terra que o defendesse da fúria dos mares de Inverno e, com isso, se mantivesse intacta a orla marítima da Fajã.
Não ficaria bem comigo próprio nem com quem me ensinou a estar ao serviço do jornalismo se não denunciasse, com veemência, esta forma de usar a Autonomia Política e Administrativa em proveito próprio.
E é por isso que prometo, a bem de muitos e para mal de alguns, a voltar a esta causa em defesa do interesse colectivo açoriano.
Autor: João Paz
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5 comentários:
Este tema é muito importante, até porque temos o péssimo exemplo do que durante tantos anos foi feito na Madeira e que deu no que todos vimos recentemente. O Ondas3 vai fazer a devida referÊncia a este caso e sugere a publicação de fotos que evidenciem as atrocidades que estão a ser cometidas nessa escosta. Octávio Lima (ondas3.blogs.sapo.pt)
A esta obra aplica-se como uma luva o ditado popular "Com amigos destes quem precisa de inimigos?" porque a auto-denominada Associação dos Amigos da Fajã do Calhau, fundada para destruir o que a Fajã tinha de singular é, na verdade, uma associação de malfeitores que tem recorrido a um saco sem fundo de dinheiros públicos para satisfazer inconfessáveis interesses privados de meia dúzia de senhoritos com ligações políticas, protegidos por um inqualificável apadrinhamento do Governo Regional que justificaria a abertura de um inquérito parlamentar.
Julgo que nesta altura já é mais do que óbvio, para tudo e para todos, que se cometeu um crime ambiental de consequências inimagináveis nesta zona da ilha de S. Miguel. Seria interessante de facto fazer um estudo económico ao que já foi gasto para usufruto de muito poucos, e depois dividir esse valor pelo nº de pessoas que possuem casa nesta fajã. Seria interessante perceber, quanto é que cada uma dessas pessoas já consumiu do PIB português... De facto sinto-me roubada na medida em que pago impostos todos os meses, que odeio ver que são canalizados para obras faraónicas como esta, para benefíco de muito poucos e prejuízo de todos! O Alberto João Jardim, após o que se passou na Madeira, continua enterrando a cabeça na areia e a dizer que não teve culpa alguma no que se passou, até porque as suas construções continuam de pé... Uma vez que nos Açores o governo é de outra cor política, pensei que aqui o presidente do Governo Regional fosse mais humilde e capaz de reconhecer os seus próprios erros. Será que o povo tem razão quando diz que, "mudam as moscas mas a porcaria é a mesma"?...
http://www.acorianooriental.pt/noticias/view/206643
http://novoacessofajadocalhau.blogspot.com/
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