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domingo, 12 de janeiro de 2014

A “liberalização “ da venda de peixe

Fui ver o que era o anúncio da “liberalização” da venda de peixe que saiu há dias em todos os jornais.
E afinal é apenas a liberdade dos comerciantes de ganharem mais ainda.
Antes se compravam um peixe de um quilo por dois euros só podiam ganhar meio euro ( alguém acreditará nisso?),agora podem comprar o mesmo peixe por um euro e lucrar dois euros com ele.
E eu a julgar que era uma liberalização a sério com o fim de um regime antigo , caduco e corrupto de antes do 25 de Abril.
É estranho como muitas leis de Salazar continuam a ser acarinhadas 40 anos depois do 25 de Abril e até se pede para voltarem como no caso da incrível lei das rendas de casa.
Esta do peixe é no mínimo esquisita - numa sociedade que se diz dos livres mercados e da concorrência os únicos que se podem considerar produtores nesta área são impedidos de vender o seu produto directamente   aos consumidores finais.
Mesmo que se trate de muito pouco peixe pescado por pequenos barcos artesanais de boca aberta.
Será que são eles próprios que não querem?
Não foi o que vi este ano em muitos portos pequenos e grandes dos Açores em que a generalidade dos pescadores se pudesse vender directamente o faria.
São normas comunitárias – esta venderam-me durante uns tempos mas em Abril em Marselha , capital europeia da cultura, ao lado do Metro do  Vieux Port estavam umas bancas em frente a cada barco com grandes prateleiras de inox cheias de peixe que moradores e turistas admiravam e compravam.
Pargos , sargos , meros , tainhas,bicudas,polvos ,lagostas , cavacos e tudo o mais muitos vivos e todos com um ar de terem acabado de sair do mar.
E nem sequer muito mais caros que nos Açores alguns até mais baratos.
Noutras cidades do sul para além da venda há uma espécie de restaurantes em que cozinham o peixe que os turistas compraram aos pescadores.
Em Cabo Verde  no Tarrafal  vimos a  chegada de um barco de pesca artesanal que entregou o peixe directamente para cestos de vendedores , particulares, restaurantes ,hoteis etc.
Disseram-me que tinha um anotador do governo que marcava o que ia saindo.
Ficando a mais valia em quem teve o trabalho , a dificuldade e correu o risco de ir ao mar para disponibilizar o peixe que todos gostamos seja bem fresco.
E criando postos de trabalho de valor acrescentado local.
Neste Verão vi muitos exemplos do contrário nos portos dos Açores de Santa Maria às Flores.
Desde a Lagoa com os restaurantes á volta do porto onde legalmente não entra peixe vindo do mar até Santa Cruz nas Flores mesmo que se trate de vinte ou trinta quilos vai tudo para circuitos que deveriam ser exclusivos da pesca em larga escala.
Claro que isso só estimula a fuga e o incumprimento .
Em Santo Amaro no Pico vi chegar um barco que trazia duas ou três caixas de peixe e perguntei se dois meros de 4 ,5 kilos que trazia não iam logo para os restaurantes locais.
Resposta : nem pensar ou tiram-me a licença e os subsídios.
E contudo o interesse público e local parecia ser que os habitantes e os negócios dependentes dele pudessem comprar o peixe fresco ali mesmo.
Ou os turistas irem ao restaurante almoçar um daqueles meros.
Em vez disso o peixe foi para caixas com gelo numa arrecadação no canto do portinho , ficou a aguardar até á tarde para ser levado para a Madalena a 40 km de distancia, esperou pela manhã seguinte para ser leiloado sem a presença do pescador( que diz que por aquela quantidade não lhe vale a pena fazer 80 km) e correu o risco de ser vendido a um ou dois euros o quilo(esta vendo pelo preço que comprei).
Se voltar a Santo Amaro aquele peixe terá muito mais de 24 horas em cima e a mais valia dele já terá ficado por outros lados e noutras mãos.
Uma das principais razões porque Portugal está na situação em que está tem a ver com o excesso de regulação , de leis e normas para tudo e para nada que na maior parte das vezes embora dizendo defender o interesse público instalam interesses muito particulares.
Mas neste assunto não se fiquem pela opinião de um curioso como eu perguntem como eu perguntei a quem sabe mesmo a Liberato Fernandes que com a Porto de Abrigo mesmo no meio de muitos problemas e dificuldades até substituiu o Estado numa função que era dele nas comunicações com os pescadores e não só.
Ou ao nosso navegador Genuíno Madruga que embora seja um pescador de grandes pescarias tem sensibilidade para os problemas dos mais pequenos.
E arranjem um sistema mais justo para os pescadores e que ponha o interesse público no acesso rápido e local aos produtos do mar á frente de outros interesses.

João Paim Vieira  

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