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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Ex-director diz que Fajã do Calhau é zona de alto risco


Opinião de João Luis Gaspar, ex- Director Regional do Ordenamento do Território e Recursos Hídricos.
Porque saiu do Governo a meio desta legislatura? O facto de ter sido transferido da direcção regional da Ciência e Tecnologia, onde estava a desenvolver um bom trabalho (é considerado, por exemplo, o ‘pai’ do Parque Tecnológico de São Miguel) para a direcção do Ordenamento do Território e Recursos Hídricos precipitou essa saída? De forma alguma. Foi para mim uma honra ter trabalhado em ambas as direcções regionais, onde tive oportunidade de liderar equipas altamente motivadas e de grande qualidade técnica, num ambiente onde nunca me foi colocado qualquer constrangimento de ordem política ou outro. Foi uma experiência exigente mas muito enriquecedora e estou grato pela confiança que mereci para exercer funções nas áreas que referiu. Acontece que, por razões relacionadas com a minha progressão académica e científica, a aceitação deste segundo mandato ficou desde logo condicionada ao meu regresso à Universidade a meio da legislatura, e como o tempo passa depressa, tinha chegado o momento. Mas sublinho que não foi uma decisão fácil, pois a minha relação com todos os que tive o privilégio de trabalhar foi sempre excelente. O Secretário dos Equipamentos disse que a obra das Scut não afecta a segurança de pessoas e bens em São Miguel, mesmo com as chuvas. Acha que será mesmo assim ou existirão sempre riscos até ao final da empreitada? Não conheço em detalhe o modo como está a decorrer a obra no seu todo, mas certamente que estarão a ser tomadas todas as medidas no sentido de reduzir todos os riscos existentes. Acontece que, numa região como a nossa, com ou sem obra, em São Miguel ou noutras ilhas, a ocorrência de movimentos de vertente e inundações é inevitável, face à conjugação de factores de ordem meteorológica e geológica. Este projecto não põe em causa os Planos de Ordenamento do Território criados pelo Governo e ameaça obstruir algumas linhas de água? Nos processos em que participei, isto é, nos troços que intersectavam linhas de água ou naqueles que estavam sujeitos a constrangimentos específicos por força dos instrumentos de gestão territorial em vigor, decidimos sempre de acordo com critérios que não permitissem aumentar os riscos existentes e em conformidade com a legislação em vigor. Na fiscalização que fomos fazendo verificámos algumas situações em que os nossos pareceres não foram respeitados e, quando assim aconteceu, demos indicações imediatas para a actuação da Inspecção do Ambiente e a reposição das condições naturais. De qualquer modo é preciso ver que não é um empreendimento qualquer e que a sua execução tem um elevado grau de dificuldade, pelo que até à sua conclusão haverá sempre uma ou outra situação pontual e temporária susceptível de potenciar as vulnerabilidades existentes. No caso das pontes: como é que se consegue chegar ao leito das linhas de água atravessadas sem abrir acessos nas vertentes, ou trabalhar nas fundações dos pilares sem interferir com as condições naturais das ribeiras? O que pensa sobre as estradas Scut? É um projecto da maior importância nas suas mais diversas vertentes e que, muito em particular na área da protecção civil, vem aumentar as capacidades de resposta a qualquer situação de emergência. Qual a sua opinião sobre a nova via de acesso à Fajã do Calhau? É uma necessidade ou acha tratar-se de investimento dispensável? Não sei qual foi o investimento efectuado nem quais as razões que presidiram à execução de tal caminho, cujo impacte ambiental tem sido amplamente discutido. A Fajã do Calhau é uma zona de alto risco, tal como se encontra definido no Plano Municipal de Emergência da Povoação, mas dado que a sua ocupação se restringe a determinadas épocas do ano, não me parece ser uma intervenção prioritária. Deveria ser proibido as pessoas passarem mais do que alguns dias nas fajãs, dado o perigo geológico de haver desabamentos nestes lugares? A localização de aglomerados populacionais em zonas de elevado risco, como acontece em muitas das fajãs açorianas, ou noutros locais igualmente perigosos, é um problema secular. Uma das últimas tarefas que ajudei a desenvolver na secretaria do Ambiente é a que se prende com a elaboração do regime jurídico para o ordenamento do território, assente num novo paradigma onde os riscos têm de ser considerados de modo coerente e transversal segundo conceitos cientificamente fundamentados. Espero que esta ideia seja aceite e que em breve tenhamos instrumentos que permitam evitar a repetição dos erros cometidos pela administração e garantam igualmente a responsabilização dos próprios cidadãos perante as decisões por si tomadas.
Paulo Faustino in Açoriano Oriental de 11-10-2010

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